A CELEUMA EM RELAÇÃO À COMPETÊNCIA DE INVESTIGAÇÃO E JULGAMENTO DE CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA ENTRE MILITARES

by xavier
Maurice Peçanha Machado, Advogado OAB/RS 109.448

Um triste acontecimento envolvendo dois policiais militares em Porto Alegre gerou um debate sobre a temática de investigação e processamento do suposto crime de homicídio. O caso é comentado do ponto de vista acadêmico, uma análise jurídica sobre o fato que aqui é adotado como paradigma para o estudo do tema.

Antes de adentrar nos aspectos legais e fáticos que envolvem a questão, há de se ressaltar que existem entendimentos para ambos lados. De um lado a Polícia Civil e a Justiça Comum e do outro a Justiça Castrense e a Polícia Judiciária Militar em investigação que tenha como autor e vítima militares, sopesando para diferentes lados a condição de militar, o conhecimento de tal condição e a correlação dos fatos, ou não, a atividade policial militar.

Há jurisprudência e doutrina que sustentam suas teses, todas com fundamentos legais e constitucionais, sendo o fato de extrema controvérsia jurídica que envolve mais do que interpretações legais, mas uma guerra de poder entre instituições.

O fato concreto, abordado aqui, como dito, em uma perspectiva exclusiva de análise jurídica, trata de situação em que um Policial Militar teria efetuado disparo de arma de fogo contra outro policial militar, ambos de folga, vindo a vitimar fatalmente este. O episódio decorre de reação a tentativa de roubo em que os policiais militares entram em ação, atuando em razão de suas condições profissionais, ou seja, policiais militares.

O impasse jurídico ocorre, inicialmente, em virtude de quem teria a atribuição para investigar os fatos, tratando-se de crime doloso contra a vida com sujeito ativo e passivo detentores da condição de militares da ativa e com conhecimento recíproco de tal condição.

De um lado temos a Brigada Militar que assumiu inicialmente as investigações, com apreensões de objetos, armas e a prisão do autor do fato, sendo o flagrante homologado pela JME/RS sem qualquer entrave.

De outro lado temos a Polícia Civil do RS que, de igual maneira, reputa-se com atribuição de investigação sobre o fato, considerando o crime doloso contra a vida de competência do Tribunal do Júri. O entendimento de ser crime comum com atribuição investigativa e posterior julgamento pela Justiça Comum foi corroborado por decisão do STJ que, no nosso entendimento, é equivocada.

A celeuma jurídica envolve, essencialmente, os seguintes dispositivos legais: Art. 9°, II, alínea “a” e art. 205, ambos do Código Penal Militar, interpretados conjuntamente com o art. 5°, XXXVIII, alínea “d” e artigo 144, §4°, ambos da Constituição da República Federativa do Brasil.

No entanto, há que se analisar os acontecimentos e as decisões judiciais em duas vertentes diferentes: atribuição investigativa e competência para julgamento.

A atribuição de investigar um crime cometido por militar contra outro militar é da Polícia Judiciária Militar, conclusão que se extrai do Código Penal Militar e do Código de Processo Penal Militar, art. 9° de ambos diplomas legais, este definindo a finalidade do IPM e aquele estabelecendo o que é considerado crime militar.

Nessa mesma toada, sendo um crime militar, por ter no polo ativo e passivo militares, em perfeita subsunção do fato à norma conforme acima citado, teríamos o crime do art. 205 do CPM, homicídio, mas não afeto à justiça comum. Importante frisar que o fato ocorreu em momento que ambos entraram em ação, como se em serviço estivessem, atuando efetivamente em razão de sua função policial militar.

De outro lado, tendo um civil como vítima do mesmo crime, por expressa disposição do art. 9°, §1° do CPM, combinado com o art. 5°, inciso XXXVIII, alínea “d” da CRFB, aí sim estaríamos diante de um crime afeto à justiça comum, porém também se cogitando a fase investigativa, pré-processual, atrelado à Polícia Militar.

Este não é o caso analisado, pois ambos agentes, autor e vítima, são militares da ativa e conheciam tal condição jurídica que estavam afetos. Além do mais, não se pode apontar, prima facie, qual era o elemento subjetivo da conduta do agente, agiu com animus necandi ou não? Qualquer afirmação dessa natureza, ao menos nesse momento, é precipitada e desprovida de elementos probatórios suficientes para tal decisão que muito influencia o direcionamento do feito.

Dessa maneira, reforçando que o assunto é polêmico e possui fundamento para ambos lados, entendemos mais adequado que o crime seja investigado pela Brigada Militar.

Espera-se que em breve o tema seja devidamente pacificado perante as Cortes Superiores para que os Policiais Militares sejam submetidos a um julgamento justo e ao encontro do que preceitua as normas constitucionais e castrenses, bem como devido processo legal, observando a peculiaridade de suas atribuições no tocante a Segurança Pública de Estado.

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